FÁBULA DA FILHA QUE VIROU MÃE
A mãe não costura mais o vestido da menina magricela.
Que não é mais magricela nem menina: cresceu por meio século.
A mãe tornou-se filha, quando os passos ficaram miúdos e os cabelos rareados.
Mora na cama do quarto, tangenciando o centenário e seu ônus.
Entre fraldas e enfermeiras, seu sorriso ensina a filha a ser rocha.
Inútil sofrer, temer a data, enfeitá-la para partir serena e sem danos...
A morte é sempre súbita, por mais que bafeje no cangote dos relógios,
e prometa visita sob o martelo dos doutores.
Mas a dita não traz na lápide o fim anunciado:
A mãe nunca partirá, costurada que está na alma da menina,
desdobrada no seu melhor gesto,
nas palavras espalmadas aos carentes de mãe e de sonho.
A mãe não é mais a fala fluida, a casa antiga, os bordados de flor,
a samambaia chorona, o jardim.
Não rega mais as plantas, não planta.
Mas é plena plantação.
Carmen Moreno
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